23 de novembro de 2014

No Meio Do Caminho Tinha Um Animal, Tinha Um Animal No Meio Do Caminho

"É mais um dia de trabalho duro sob um sol escaldante. Não tenho carro, não uso ônibus e desconheço outro meio de transporte além dos pés que me sustentam. Sou eu quem corre sozinho em busca do meu próprio alimento, atrás de uma maneira de sobreviver. Tenho uma família linda, mulher e dois filhos ainda bebês. Eles precisam de mim, assim como eu preciso deles, e não penso em mais nada além do nosso bem. É mais um dia de trabalho duro sob um sol escaldante, mas hoje eu não voltei para casa. Minha vida foi interrompida por um automóvel na estrada, meu corpo permanece estirado no chão duro sem ninguém para recolhe-lo. Minha carne secará até que todos os passantes vejam apenas os meus ossos."


Poderia ser a história comovente de qualquer trabalhador rural que ganha seu sustento a beira das avenidas e trevos de uma grande cidade, mas não. É a realidade da nossa fauna: mamíferos, répteis e aves, mortos todos os dias nas rodovias do Brasil sem que alguém se dê conta.

Diariamente, centenas de estudantes, inclusive eu, fazem o mesmo trajeto entre Palmas e Paraíso. Durante uma dessas idas e vindas, notei pela janela quantos animais mortos eu via, são 63km e naquele dia contei quatro, praticamente um para cada quinze quilômetros rodados. Foi então que uma luz de percepção se ascendeu: eu não estava apenas diante de uma pauta, mas de uma causa ambiental que merece olhos e ouvidos atentos a respeito.

A necessidade humana de transporte e expansão agrícola fragmenta continuamente o meio ambiente e destrói o habitat natural de diversas espécies. Segundo a pesquisadora Valeska de Oliveira, a rodovia e o fluxo de veículos são uma barreira ambiental para animais que, seguindo seu instinto de sobrevivência, atravessam as estradas com o objetivo principal de marcar território, procurar alimento e acasalar. A falta de políticas públicas para a resolução do problema agravam ainda mais o quadro.

O setor responsável dentro da capital é a Secretaria do Meio Ambiente. Já em estradas intermunicipais, a incumbência está a cargo da CIPRA - Companhia Independente de Polícia Militar e Ambiental. Em todo o estado do Tocantins, porém, não existe nenhuma elaboração ou estudo neste sentido.

Em uma conversa com um membro do IBAMA-TO, fui informado a respeito do trabalho de uma universidade em Minas Gerais. A Universidade Federal de Lavras (UFLA) - através do Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia de Estradas (CBEE) - realiza um importante trabalho em todo território brasileiro, recentemente reconhecido em uma reportagem no Jornal Nacional.

Preste atenção. A cada ano, 400 milhões de animais silvestres são atropelados no mundo. Somente no Brasil, são 750 mil atropelamentos, o equivalente a mais de 2 mil vítimas por dia. Os números, fornecidos pela própria UFLA, mostram que não se trata de um ou outro acidente, muito menos de sensacionalismo ecológico. Pelo contrário, revelam o perigo de extinção a que a nossa fauna está exposta. Como é o caso, por exemplo, da anta brasileira, um animal de ciclo reprodutivo lento (cerca de dois anos) e uma das maiores vítimas das estatísticas. 


Em parceria com a Sociedade de Zoológicos e Aquários no Brasil (SBZ), o CBEE fundou o dia nacional de Urubuzar, uma data em favor da conservação da fauna no Brasil. Acontece em 15 de novembro e tem como meta reunir 200 pontos focais em todo país para realizar as mais variadas ações de divulgação e sensibilização da sociedade para os impactos de rodovias e ferrovias à biodiversidade. 

Qualquer cidadão pode entrar em contato e colaborar, projetando ideias dentro da sua instituição ou comunidade local. Inclusive, há um grupo disponível no Facebook com detalhes da campanha, vídeos e outros materiais explicativos. Um grande passo tecnológico criado recentemente é um aplicativo chamado "Urubu Mobile", que permite ao usuário enviar dados confiáveis e padronizados diretamente ao próprio centro, com a finalidade de mapear geograficamente onde acontecem os atropelamentos da fauna silvestre no Brasil.

Nesta lista de dizimados constam principalmente raposas e cachorros do mato. Tatus, preguiças e tamanduás de diferentes espécies também são encontrados com frequência. Dentre as aves, destacam-se corujas, curiangos e bacuraus. Anfíbios e répteis sobrem semelhante impacto, porém por motivos óbvios, bichos de médio e grande porte são mais facilmente identificados dentro do registro.

A principal responsabilidade é do poder público. Placas educativas e radares eletrônicos se mostram úteis na redução dos casos. A longo prazo e de maior custo, a instalação de túneis e outros tipos de passagem de fauna que assegurem a travessia de animais, inclusive para macacos e micos através de estruturas arbóreas são a melhor saída. Contudo, pequenas medidas entre condutores também pode fazer a diferença, uma direção defensiva e consciente, além do respeito aos limites de velocidade é um começo.

Eu gostaria de escrever uma nova história no início desta reportagem, e gostaria mais ainda que você, leitor ou leitora, ajudasse. Chamo a responsabilidade para aqueles e aquelas que tem a oportunidade de ler as minhas palavras, chamo a reflexão cada homem e mulher que vê dia a dia nossos bichos perecerem. A solução não está somente nas mãos de a, b ou c, mas na tomada de consciência individual de que não estamos isolados. Somos princípio de um meio (ambiente) que não pode ter fim.

Um comentário: