31 de dezembro de 2016

Como Elis

Eu quero me curar do que é passado.

Há um peso nas conversas que tenho, nos textos que escrevo, nos compromissos que agendo. Existe um disfarce atrás de cada linha e de cada sorriso que dou. Uma covardia em forma de blog, que me faz acreditar que contar ao mundo seria o remédio que evitaria uma conversa a sós.

Nós, que já estivemos sentados em meu tapete, não temos mais contato, nem trocamos emails ou cartas. Nós, que dividimos cama e sobremesas de palito no congelador, usamos agora uma comunicação telepática. Em cada encontro por acaso, é um olhar que não chega a falar, é quase dizer, mas desistir no meio do caminho.

Na tentativa de te punir com palavras, quem saiu castigado fui eu. Movi alguns móveis de lugar na esperança de fazer parecer jovem, uma casa empoeirada de lembranças e mágoas. Por não limpar a mobilia, o pó subiu, espalhou-se, tornou-se motivo de alergia e irritação. Os dias passaram e não sararam a raiva guardada, e a minha espera foi como segurar a água que sai da pia, uma burrice, um esforço inútil.


O tempo, dizem, é a resposta para tudo. Mentira, você sabe, ele nunca é amigo dos ansiosos. Apesar disso, estou pronto para desfazer este nó no meu estômago, estou preparado para ser livre do sentimento de culpa. Minha consciência está madura e meu coração está aberto para perdoar e esquecer, porque minhas mãos não suportam mais carregar uma bagagem que vale por dois. 

Quero a sensatez de um adulto, e a leveza de uma criança. Quero te abraçar e te reconhecer como outro alguém. Quero cantar como Elis, quando diz "o novo sempre vem".

18 de novembro de 2016

Pergunta

Algo sempre me traz de volta a este lugar. Sentado a beira da cama, um bloco de rascunho apoiado em meus joelhos, uma caneta Bic na mão. Algo sempre desperta a vontade de escrever. Às vezes é saudade, às vezes é tristeza, e da última vez foi maldade, e hoje?

Hoje foi uma pergunta. "Você sabe o que é o amor?", disseram. Eu, que geralmente nunca sou pego de surpresa, não sabia o que responder. Eu, que tenho tudo na ponta da língua, gastei uma tarde inteira até encontrar um argumento que me coubesse. 

É que não gostaria de ser leviano, desculpem-me, mas não acredito no amor Beleza Americana que Hollywood cultivou. Este amor quente, apressado, irracional, geralmente de curto prazo, comumente com um final trágico. Amor é se doar, mas tememos fazê-lo porque, no fundo das palavras não ditas, esperamos que todo carinho venha com a certeza de retorno. Se não vier, e daí? Amar é não esperar nada em troca. Amar é colocar o outro em primeiro lugar, e qualquer coisa fora disso é somente suprir carência. Perda de tempo, uma bobagem. 


Quando alguns dias são mais cinzas que outros, por exemplo, costumo me lembrar que o amor nunca muda e que o afeto mora nos detalhes. Na ligação que pergunta se está tudo bem, na voz que diz "vem aqui", na camisa velha que enxuga as lágrimas, na paciência de assistir um filme pela 5º vez apenas para arrancar mais uns sorrisos. Quando algumas estações são mais frias que as outras, adestro meu coração a recordar do que lhe aquece: a companhia de quem veio e, por ternura, decidiu ficar. Um, dois, três, cinco anos, não importa. Que todo xodozinho dure tempo suficiente para nos ensinar a aceitar o bem querer que nos é dado.

3 de outubro de 2016

Ser Real

O que a gente faz quando a ira bate a porta? Quando é criança, chora. Quando é jovem, xinga e cora. E agora, adulto? Parece que toda raiva se torna tristeza, chateação ilegitima, sentimento fora do lugar. O que a gente faz quando rabiscar e rasgar textos, como quem mastiga e engole a mágoa, não resolve?

Existe uma alternativa poderosa, que vem a partir do momento em que abraçamos a indignação, ao invés de nos sentirmos vulneráveis. Nos dois casos estamos obviamente devastados, mas a agressividade pode ser uma proteção mais segura do que as lágrimas. Não é vingança, nem devolver na mesma moeda. É colocar para fora o que nos deixa doentes e nos mantém confusos, é conversar conosco e com a nossa percepção do outro, e não há absolutamente nenhuma culpa nisso.

Meu irmão, meu irmãozinho, eu estou furioso com as mentiras que você contou, com os convites que você não fez, com as dúvidas e desconfianças que você plantou. Meu companheiro, meu amigo íntimo, a minha mão vai alcançar o seu rosto, mas não com o mesmo carinho com que alcançou suas calças. Eu vou tatuar as paredes da sua casa com a nossa história, vou escrever nossos segredos nos seus portões.


Por favor, não diga nada. Eu sei o quanto é difícil para você ouvir outra pessoa por mais de dez minutos, e encontrar soluções como alguém maduro. Encarecidamente, olhe nos meus olhos. Eu imagino como é duro encarar as consequências pela primeira vez, e não ter sua mãe pra arrumar a bagunça, como arruma o seu cabelo de gel. 

As minhas palavras serão como socos em ponta de faca, como tecla que se aperta exaustivamente até perder a função. Afinal, tudo já foi dito, é burrice repetir. Mas se elas não servem mais a você, servem a mim. Eu aceito ser o antagonista do papel de bom moço, que você interpreta tão bem. Aceito ser Lúcifer no seu ouvido até que você reconheça a minha voz. Ela só vem te lembrar do que você já esqueceu: ser real.

24 de agosto de 2016

Descompasso

O que é te que incomoda a alma? O que tira a tua paz? Quais são os medos que passam pela tua cabeça feito carneirinhos que você conta antes de dormir? Em que eu posso te ajudar? É que eu já estive aí onde você está. Várias vezes. Sozinho. Desconfiado. Confuso. O 'sim' é sempre falso quando te perguntam "você está bem?".

Afinal, o que é estar bem? A frase sai automática, mas a verdade é que a gente nem sabe mais o que isso significa. Chegamos aos 20 e poucos anos com a promessa de sermos bem sucedidos financeiramente e mentalmente estáveis até os 30. Aparentemente, o máximo que nos espera é o peso das costas de quem tem 70.


Você quer abrir mão e ao mesmo tempo recomeçar. Quer insistir, mas não tem razão pra continuar. Quer falar, mas se explicar nunca foi o seu forte. Quer sossegar a cabeça no peito de alguém, em algum cantinho frio, em qualquer travesseiro novo com cheiro familiar, mas não acha este lugar. É tanto querer que "tropeça na própria vontade, corre para fugir, mas nunca para chegar". Desistir no meio do caminho é uma tentação e uma solução mais fácil que tentar.

Nós dois não passamos de crianças inconvenientes, ingênuas, energéticas e de emoções intensas. Não passamos de adultos amargurados, incoerentes, cheios de segredos e tolerados por poucos. Nossos sentimentos andam neste meio termo, e não há coração no mundo igual ao nosso, que bata neste ritmo sem harmonia, sem sentido.

17 de julho de 2016

Um Convite Simples

Eu menti, viu?

Em tudo que diz respeito a você, eu menti. Primeiro pra mim, depois para os outros. Não é verdade o que eu te disse ontem, nunca foi. Não tem amor ao passado, nem apego a história antiga. Eu não te comparo com ninguém, nem tenho desculpas que te afastem da minha companhia.

Ei, a gente pode começar de novo? 

A única verdade nisso é que eu estava com medo de me aproximar e, apesar de continuar assustado, também permaneço curioso. Então senta do meu lado e olha pra mim. Encosta nesse banquinho e me conta o que te trouxe até aqui hoje. Eu quero saber o que te inspira a acordar toda manhã, quais são seus interesses. O que te impressiona?

Para por um momento. Não elogia meu sorriso, nem o jeito que eu escrevo. Eu já ouvi isso várias vezes, e não soa mais profundo. Diz algo com a honestidade dos seus olhos, com a sensibilidade do seu coração que poucos conhecem.

Eu sei que você pode chorar quando começar a falar. Dá pra ver que tem muita coisa escondida aí, entalada na garganta. Não se preocupa, eu vou guardar segredo, e a gente vai dar um jeito. E se não der, paciência. Só mais um pouquinho de tempo, só mais um pouquinho de força, vai passar.

Não é por ser mais velho que eu tenha adquirido experiência, ou, não é por ter experiência que seja imune ao erro. Aliás, eu quero acreditar que ter cruzado seu caminho não foi um deles. Eu quero quebrar este gelo e este silêncio que paira quando estamos sozinhos.

6 de junho de 2016

Saudade, Parte III

O que é saudade? 

Eu sinto falta da minha cama quentinha quando anoitece, sinto falta do frango assado aos fins de semana, e minha mãe vive dizendo que sente falta de um pouco mais de dinheiro no final do mês. A gente sente falta de coisas tão comuns, que parece banal falar sobre o assunto, parece difícil levar este sentimento a sério. 

Eu já escrevi sobre a saudade de mentirinha, aquela que a gente sente ao passar um dia ou dois longe da pessoa e, quando abraça de novo, mata rapidinho. Eu já falei sobre a saudade da distância, quando são meses ou quilômetros que nos separam de quem a gente ama e se demoram até os minutos da chegada. Eu nunca achei, porém, que falaria da saudade que vem depois da morte.



O que é a saudade de alguém que partiu?

A falta que vem depois da morte não é graciosa como nos filmes, porque a gente não supera ao subirem os créditos, a gente não esquece conforme o tempo passa. Nada disso parece ajudar, sabe? A falta que vem depois da morte é o amor que se choca contra nosso peito – às vezes no acordar das manhãs, noutros ao colocar a cabeça sobre o travesseiro à noite.  E este encontro dói, a pancada dói, todos os dias dói.

Antes eu não saiba, mas agora sei. Agora eu sei o que é chamar “vó” e ninguém responder. Agora eu sei o que é soltar suas mãos enrugadas e deixar você andar sozinha. O que eu não daria para te ajudar a caminhar pela praia novamente? O que eu não daria para ser o seu apoio outra vez?

Eu preciso que Deus me ajuda a lidar com esta feiura que ficou dentro de mim. A saudade que sinto não é bonita, mas é forte, e violenta, e cheia de frustração, porque não posso desfazê-la. Eu preciso que Deus ilumine o meu coração e me traga descanso como trouxe a você.

Eu te amo. Para Sempre.

16 de maio de 2016

O Que Faltou Dizer

Quando você bateu na minha porta, pedindo que eu não fosse embora, eu atendi. Ainda com todas as desconfianças, eu te dei a chance de cumprir o que havia me prometido desde o inicio: - "Calma, Hg, eu não vou te magoar em nenhum sentido". Mesmo com tudo contra, torci para que desta vez, e somente desta vez, fosse verdadeiro.
 
Quando as coisas ficaram confusas, eu esperava a mesma sinceridade que te ofereci. Apesar de caminharmos de mãos dadas, a distância entre a minha vontade e a sua crescia. Embora nossas conversas durassem horas inteiras, era como se não encaixassem mais, como se tivéssemos derrubados as pontes e construído muros.

Todo carinho que se tem é bonito, todo tempo que se gasta e todo sorriso que se oferece é um presente que a gente guarda aquecido no peito. Mas o mesmo afeto que se desenha delicado numa folha branco, borra-se com manchas de detalhes esquecidos. Porque, dizem, ninguém tropeça em montanha. É nas miudezas que a gente esbarra, são os pedidos que a gente ignora no dia-a-dia, as palavras que temos vergonha de dizer.
 
Sinto muito se me afastar seja a solução que eu encontrei, sinto muito, mas o que você me oferece não é o que eu quero, aquilo que você pode me dar agora não é o suficiente. A sua presença não é o que eu preciso. É reconfortante pensar que nosso beijo não foi um começo, e sim um final. É um alívio não sentir que estou tomando o lugar de outra pessoa, que não serei mais o rapaz que você colocou ao seu lado como substituto de alguém. 
 
Descartei essas meia verdades que nos ensinaram: quem acredita nem sempre alcança, aqueles que esperam pacientemente talvez não sejam recompensados, nem sempre a gente vai colher o que plantou e, por fim, há males que vem pra outros males mesmo.
 
Eu gostaria de ser o tipo de pessoa que não cede tão facilmente ao negativismo, o tipo que permanece ingênua, que mantém sempre a empatia no olhar e que acredita nos outros de graça. Mas este não sou eu, e nem poderia ser, até que alguém me faça mudar de ideia.
 
Não foi o caso.

20 de abril de 2016

Olá, Leãozinho

A minha escrita é tardia, mas meu coração é sincero. 

Posterguei o quanto pude pôr março em palavras, adiei porque causa tristeza admitir que precisávamos nos despedir um do outro. Prorroguei a saudade em nome de uma esperança que não me sustenta mais, em nome de uma expectativa que não tem mais lugar aqui. Dos meus desabafos, não ouvir seu rugido ao chegar na minha calçada é que mais dói. Não afagar a sua juba deitado na beira do sofá, não fazer dos seus lombos a minha cama.

Será que a escova que você comprou pra que eu usasse, ainda descansa ao lado da sua? Você voltou a ler os mangás que eu deixei na sua estante? Um dia vai amanhecer frio o bastante pra te convencer a usar o moletom que te dei? As minhas dúvidas são simples, porque a falta que você faz é complexa demais e eu já desisti de entender.

Eu não sei se nos separamos há um mês ou há alguns minutos atrás, porque, na verdade, digo adeus aos poucos todos os dias. É também aos poucos que me acostumo com a ideia de que jaula nenhuma podia te prender, destino nenhum deixaria suas patas permanecerem junto a mim. Leãozinho, leãozinho, você é muito mais que meu animal de estimação. Muito mais do que um pupilo que ensinei alguns truques, que eu alimentei com minhas palavras e o meu afeto durante estes anos. Você é meu herói, meu motivo de orgulho. 

Mas a necessidade da distância é mais forte agora. Enquanto isso, Cícero vai me distrair com uma de suas músicas sempre que eu quiser me lembrar. Cuide-se. Cuide desses olhos castanhos que eu amei.


"Mas tudo bem, o dia vai raiar, pra gente se inventar de novo" (Tempo de Pipa)

13 de fevereiro de 2016

Truco

Engano a mim mesmo ao dizer não repetiria os erros da última vez, trapaceio como num jogocomo quem blefa para fazer os outros acreditarem numa verdade inventada. Dou a cara a tapa, grito e bato na mesa e, por um momento, penso que qualquer outro compraria meu teatro, mas não você. Você nunca aposta alto quando existe a chance de perder.
 
Você não se apressa ao dar as cartas, e não sente medo, e suas mãos parecem não suar, e seus olhos não mudam de direção, e não há nenhuma tentativa de disfarce. Você joga como um cavaleiro nobre que nunca perde a razão, como um Buda ou Gandhi do século XXI, como alguém que está em paz por saber exatamente o que quer e o que faz.

Eu te invejo, como você ousa ser o que eu preciso? Eu te admiro, por isso te mantenho por perto. Mesmo que agora nossas palavras sejam armas carregadas, mesmo que o quarto seja um campo de batalha, e o nosso amor a causa da terceira guerra mundial.
 
Ás vezes, a vida está escura e não consigo enxergar o óbvio, então agradeço a Deus pela felicidade da memória, que nos recorda o por quê de estarmos aqui. As vezes, o dia está confuso e estaciono meu coração em alguma música triste, então Deus abençoe seus olhos, eu olho profundamente dentro deles até me curar.

Teremos até o fim da vida - você disse - para perder e ganhar um ao outro. Teremos esta e outras mais, se possível, porque uma talvez não seja o bastante.