3 de outubro de 2016

Ser Real

O que a gente faz quando a ira bate a porta? Quando é criança, chora. Quando é jovem, xinga e cora. E agora, adulto? Parece que toda raiva se torna tristeza, chateação ilegitima, sentimento fora do lugar. O que a gente faz quando rabiscar e rasgar textos, como quem mastiga e engole a mágoa, não resolve?

Existe uma alternativa poderosa, que vem a partir do momento em que abraçamos a indignação, ao invés de nos sentirmos vulneráveis. Nos dois casos estamos obviamente devastados, mas a agressividade pode ser uma proteção mais segura do que as lágrimas. Não é vingança, nem devolver na mesma moeda. É colocar para fora o que nos deixa doentes e nos mantém confusos, é conversar conosco e com a nossa percepção do outro, e não há absolutamente nenhuma culpa nisso.

Meu irmão, meu irmãozinho, eu estou furioso com as mentiras que você contou, com os convites que você não fez, com as dúvidas e desconfianças que você plantou. Meu companheiro, meu amigo íntimo, a minha mão vai alcançar o seu rosto, mas não com o mesmo carinho com que alcançou suas calças. Eu vou tatuar as paredes da sua casa com a nossa história, vou escrever nossos segredos nos seus portões.


Por favor, não diga nada. Eu sei o quanto é difícil para você ouvir outra pessoa por mais de dez minutos, e encontrar soluções como alguém maduro. Encarecidamente, olhe nos meus olhos. Eu imagino como é duro encarar as consequências pela primeira vez, e não ter sua mãe pra arrumar a bagunça, como arruma o seu cabelo de gel. 

As minhas palavras serão como socos em ponta de faca, como tecla que se aperta exaustivamente até perder a função. Afinal, tudo já foi dito, é burrice repetir. Mas se elas não servem mais a você, servem a mim. Eu aceito ser o antagonista do papel de bom moço, que você interpreta tão bem. Aceito ser Lúcifer no seu ouvido até que você reconheça a minha voz. Ela só vem te lembrar do que você já esqueceu: ser real.