29 de novembro de 2014

Talvez

"É que eu ainda penso, e digo que não, mas volto a procurar". (Taís Alvarenga)


A verdade é que a gente estuda, trabalha, sai e conversa na tentativa de se distrair. Só pra colocar a cabeça no travesseiro e lembrar do que evitou o dia inteiro. 

Depois das dez horas, seria mais uma noite como qualquer uma das outras: entrar em casa, abrir a porta do quarto sem fazer barulho, escovar os dentes, espalhar o corpo sobre a cama depois do banho, e finalmente fechar os olhos até pegar no sono. Seria, eu disse, se não fosse por uma curta conversa antes de chegar.

Não me dei conta da tristeza dos meus olhos até que outro par de olhos notasse, não reparei a fragilidade da minha voz até que um ouvido atento percebesse que algo estava errado. Esqueci completamente do peso que havia nas minhas costas, até que alguém se importasse em saber porque eu estava a carrega-lo. 

De repente, não pude evitar a pergunta: o que eu faço com toda essa bagagem?

Há tantas memórias dentro de cada mala que eu não sei dividi-las entre boas e ruins, tantos momentos embrulhados como se fossem um presente que eu não abro, nem revelo. Tantos rostos quantos se podem contar, e eu conheço todos eles. 

Há infinitas outras possibilidades atrás de cada decisão tomada, infinitas respostas que não foram ouvidas esperando por uma única pergunta. Infinitos "e se..." escondidos em compartimentos de fundo falso: a primeira vista estão vazios, mas desdobrados, confessam-se.

Cada objeto constitui um detalhe importante, como peças que se formam em um quadro, que fará sentido apenas se elas estiverem juntas. Cada passado que eu trago é íntimo e demasiadamente significativo para que seja preterido, cada traço de um futuro desejado se constrói dia após dia, fundamentado nas experiências que tive e no que forjo delas.

Parece complexo? Talvez, digo literalmente, nem sim, nem não. Instiga ou afasta? Nenhum dos dois, ainda estamos no meio da descoberta.

23 de novembro de 2014

No Meio Do Caminho Tinha Um Animal, Tinha Um Animal No Meio Do Caminho

"É mais um dia de trabalho duro sob um sol escaldante. Não tenho carro, não uso ônibus e desconheço outro meio de transporte além dos pés que me sustentam. Sou eu quem corre sozinho em busca do meu próprio alimento, atrás de uma maneira de sobreviver. Tenho uma família linda, mulher e dois filhos ainda bebês. Eles precisam de mim, assim como eu preciso deles, e não penso em mais nada além do nosso bem. É mais um dia de trabalho duro sob um sol escaldante, mas hoje eu não voltei para casa. Minha vida foi interrompida por um automóvel na estrada, meu corpo permanece estirado no chão duro sem ninguém para recolhe-lo. Minha carne secará até que todos os passantes vejam apenas os meus ossos."


Poderia ser a história comovente de qualquer trabalhador rural que ganha seu sustento a beira das avenidas e trevos de uma grande cidade, mas não. É a realidade da nossa fauna: mamíferos, répteis e aves, mortos todos os dias nas rodovias do Brasil sem que alguém se dê conta.

Diariamente, centenas de estudantes, inclusive eu, fazem o mesmo trajeto entre Palmas e Paraíso. Durante uma dessas idas e vindas, notei pela janela quantos animais mortos eu via, são 63km e naquele dia contei quatro, praticamente um para cada quinze quilômetros rodados. Foi então que uma luz de percepção se ascendeu: eu não estava apenas diante de uma pauta, mas de uma causa ambiental que merece olhos e ouvidos atentos a respeito.

A necessidade humana de transporte e expansão agrícola fragmenta continuamente o meio ambiente e destrói o habitat natural de diversas espécies. Segundo a pesquisadora Valeska de Oliveira, a rodovia e o fluxo de veículos são uma barreira ambiental para animais que, seguindo seu instinto de sobrevivência, atravessam as estradas com o objetivo principal de marcar território, procurar alimento e acasalar. A falta de políticas públicas para a resolução do problema agravam ainda mais o quadro.

O setor responsável dentro da capital é a Secretaria do Meio Ambiente. Já em estradas intermunicipais, a incumbência está a cargo da CIPRA - Companhia Independente de Polícia Militar e Ambiental. Em todo o estado do Tocantins, porém, não existe nenhuma elaboração ou estudo neste sentido.

Em uma conversa com um membro do IBAMA-TO, fui informado a respeito do trabalho de uma universidade em Minas Gerais. A Universidade Federal de Lavras (UFLA) - através do Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia de Estradas (CBEE) - realiza um importante trabalho em todo território brasileiro, recentemente reconhecido em uma reportagem no Jornal Nacional.

Preste atenção. A cada ano, 400 milhões de animais silvestres são atropelados no mundo. Somente no Brasil, são 750 mil atropelamentos, o equivalente a mais de 2 mil vítimas por dia. Os números, fornecidos pela própria UFLA, mostram que não se trata de um ou outro acidente, muito menos de sensacionalismo ecológico. Pelo contrário, revelam o perigo de extinção a que a nossa fauna está exposta. Como é o caso, por exemplo, da anta brasileira, um animal de ciclo reprodutivo lento (cerca de dois anos) e uma das maiores vítimas das estatísticas. 


Em parceria com a Sociedade de Zoológicos e Aquários no Brasil (SBZ), o CBEE fundou o dia nacional de Urubuzar, uma data em favor da conservação da fauna no Brasil. Acontece em 15 de novembro e tem como meta reunir 200 pontos focais em todo país para realizar as mais variadas ações de divulgação e sensibilização da sociedade para os impactos de rodovias e ferrovias à biodiversidade. 

Qualquer cidadão pode entrar em contato e colaborar, projetando ideias dentro da sua instituição ou comunidade local. Inclusive, há um grupo disponível no Facebook com detalhes da campanha, vídeos e outros materiais explicativos. Um grande passo tecnológico criado recentemente é um aplicativo chamado "Urubu Mobile", que permite ao usuário enviar dados confiáveis e padronizados diretamente ao próprio centro, com a finalidade de mapear geograficamente onde acontecem os atropelamentos da fauna silvestre no Brasil.

Nesta lista de dizimados constam principalmente raposas e cachorros do mato. Tatus, preguiças e tamanduás de diferentes espécies também são encontrados com frequência. Dentre as aves, destacam-se corujas, curiangos e bacuraus. Anfíbios e répteis sobrem semelhante impacto, porém por motivos óbvios, bichos de médio e grande porte são mais facilmente identificados dentro do registro.

A principal responsabilidade é do poder público. Placas educativas e radares eletrônicos se mostram úteis na redução dos casos. A longo prazo e de maior custo, a instalação de túneis e outros tipos de passagem de fauna que assegurem a travessia de animais, inclusive para macacos e micos através de estruturas arbóreas são a melhor saída. Contudo, pequenas medidas entre condutores também pode fazer a diferença, uma direção defensiva e consciente, além do respeito aos limites de velocidade é um começo.

Eu gostaria de escrever uma nova história no início desta reportagem, e gostaria mais ainda que você, leitor ou leitora, ajudasse. Chamo a responsabilidade para aqueles e aquelas que tem a oportunidade de ler as minhas palavras, chamo a reflexão cada homem e mulher que vê dia a dia nossos bichos perecerem. A solução não está somente nas mãos de a, b ou c, mas na tomada de consciência individual de que não estamos isolados. Somos princípio de um meio (ambiente) que não pode ter fim.

12 de novembro de 2014

O Índice

Como qualquer lista que se planeja escrever, eu comecei devagarzinho, procurei nas memórias, pontuei as qualidades, ignorei os defeitos. "Por que eu gosto você?" era uma pergunta frequente que, não necessariamente pedia por resposta, mas patinava pela minha cabeça como uma criança inquieta. Como qualquer raciocínio que se desenvolve aos poucos, eu desisti de negar esta ideia e passei a simplesmente abraça-la.  

A minha primeira conclusão é que o sentimento não surgiu de propósito, não estava roteirizado como outro romance decorrido, nem armado com joguinhos de conquista do tipo "ligo eu, liga você". Nada foi planejado, sabe? Nenhum dos encontros, nenhuma das conversas de madrugada, nem mesmo o silêncio quando algum de nós, desajeitado com as palavras, não sabia o que dizer.

A minha segunda conclusão é que o meu afeto veio graciosa e independentemente de qualquer atitude sua. A verdade é que eu gosto de verdade, a graça do que eu sinto é que  sinto, sim, de graça. Porque pra ser sincero, não existe nada em comum quando olhamos um para o outro. Aliás, não é o simples fato de sermos diferentes, mas a peça que o destino nos pregou, resolveu unir exatos opostos.


Talvez eu goste de você porque, enquanto me esbaldo em junk food, seu olhar cai em resignação ao mesmo tempo que discutimos "onde está a salada?". Talvez eu goste de você porque, passado um ano, ainda não decidi se prefiro gatos ou cachorros, enquanto sua vontade é abrir o próprio zoológico debaixo do nosso teto. Talvez eu goste de você porque quanto mais pareço irritado ou aborrecido, menos você parece me levar a sério. Talvez eu goste de você porque nas minhas tentativas de comandar tudo, é a sua voz que tira o controle das minhas mãos e me faz ceder mais uma vez, semelhante a outras.

A lista de motivos cresce, mas pontualmente censuro alguns deles. Imagina que vergonha se alguém descobrir que você me conquistou um pouquinho mais na noite que tentou dançar comigo numa coreografia fora do ritmo. Deus sabe que nem nossos passos vão para lados iguais. A propósito, eu poderia colocar seu jeito ingenuamente charmoso e errôneo de pronunciar palavras em inglês, ou este é um segredo nosso? Por favor, diga-me antes que eu feche as anotações.