14 de fevereiro de 2014

Aos Calangos e Calanguinhos

Eu não sei como funciona para os outros, e nem me interessa. O que eu sei é que a minha escrita é verdadeira, é uma parte íntima, são pedaços de várias histórias. Eu não conheço o que inspira a maioria dos autores, e nem preciso saber. O que importa são as experiências que vivo e vejo ganharem corpo, na forma de palavras que escorrem entre os meus dedos até se tornarem literatura. Hoje é diferente. Pela primeira vez, eu escolhi não falar de amor. Pela primeira vez, eu decidi não fantasiar, nem desenhar um quadro bonito. Esqueçam as molduras suaves e o olhar sensível, esqueçam a delicadeza dos sentimentos costumeiros, esqueçam a preferência pela poesia. O assunto não permite, a realidade suprimiu o poeta.

O Bloco A foi marcado duas vezes. A primeira, nunca esquecerei, foi quando Calangos munidos de pincéis e sprays nas mãos ousaram colorir todas as paredes do prédio com suas ideias, sentimentos e expressões. Digam que o resultado é um desastre estético, digam que as frases são medíocres, digam qualquer coisa porque não importa, uma nova era foi inaugurada. Estávamos acostumados aos tons cinzas e tristes, mas de repente vibrávamos em uma nova cor e quem esteve presente foi testemunha do que digo. A segunda, ainda ontem, foi quando o Jornal Mural foi publicado e, como esperado, causou uma reação em cadeia instantânea. Eu li com sede e espanto como se os parágrafos me chamassem, como se um medo curioso instigasse os meus olhos a continuar mesmo que boquiaberto. Toda revolta já sentida, todo recurso até então negado, tudo que um dia passou pela cabeça de qualquer estudante estava ali, real e concreto. Eu li e reli enquanto pensava incrédulo: "o silêncio foi quebrado!".

Mas antes que pudéssemos comemorar, antes que qualquer docente ou autoridade acadêmica se pronunciasse, vieram as críticas. Adivinhem de onde? Dos próprios alunos. Colegas que acompanham a luta, sabem das nossas misérias e do abandono que sofremos como curso há uma década. Dez longos anos. Colegas que não tiveram o cuidado de observar que o produto passou pelo crivo de um editor responsável, a professora que ministra a disciplina está consciente de cada linha escrita. Então de quem é a culpa? De ninguém. Não permitam que todo contexto do jornal, que pede socorro em nome de um curso falido, seja derrubado em favor dos egos inflados e ofendidos. Uma nota jocosa feita por crianças de 20 anos não é mais importante que uma instituição irresponsável ou uma administração escusa que deixa toda uma categoria a mercê da própria sorte, que subsiste alimentada de migalhas. 


Eu quis escrever para dar clareza às pessoas que, com dignidade, desejarem ouvir. Peço apenas uma coisa. Não percam o foco, jornalistas, não se percam no meio da caminhada. Enquanto não nos cansarmos de tentar, mesmo ao tropeçar no erro, existe esperança. Termino indignado, mas em paz, apoiado por Millôr Fernandes quando diz: "Jornalismo é oposição, o resto é armazém de secos e molhados".

7 de fevereiro de 2014

Sete Copas

Éramos três amigos e eu - quero dizer, ainda somos - acostumados a sentar ao redor da mesa de um bar e assistir a noite cair, acostumados a discutir quase sempre sobre temas irrelevantes e a falar sobre o que vivemos, sentimos e pensamos, não necessariamente nesta ordem. Éramos três amigos e eu, cada um com sua opinião, cada qual com sua maneira de enxergar o mundo e um jeito particular de tentar muda-lo. Não havia qualquer garçom que nos servisse, nem comanda que controlasse o nosso consumo, naquele recinto uma ficha era a sorte de mais uma rodada. Pedíamos certezas na garantia que aguentaríamos o porre de realidade no dia seguinte, mas rotineiramente estávamos de ressaca, prontos para vomitar nossas inseguranças de novo. Em goles lentos, absorvíamos o que cada dia esperava de nós e o que esperávamos de nós mesmo. Em goles apressados, dávamos um fim as garrafas cheias de um vazio torturante.


É difícil explicar por quê aquele lugar se tornou nossa testemunha, e eventualmente mais que isso, nosso cúmplice. É difícil explicar, e talvez nem haja justificativa, mas é como se ali nossos crimes fossem perdoados, nossas dores encontrassem cura, nossos medos se dobrassem diante do copo e do ombro mais próximo. Não há maior estima que um ouvido atento. Há um carinho que escapa entre as frases sóbrias, mas transborda naturalmente em meio a boêmia, existem certas palavras que o corpo parece não escutar, mas que a alma recebe com prazer, um companheirismo que se anuncia em um brinde e é retribuído com os olhos. Eu desperdicei várias chances de ser claro antes, bobagem e arrependimento meus. Não mais. No barzinho mais simples da cidade, debaixo da copa de uma árvore, eu propus um pacto sobre a mesa: seremos sempre três amigos e eu - a partir daquela noite e espero que por muito tempo.