20 de abril de 2014

Aritimética

Perdoa meu fungar no seu pescoço, roubando seu perfume e atrapalhando seu sono de cinco em cinco minutinhos. Perdoa a minha maneira desastrada de rolar e te abraçar sobre a cama, que inevitavelmente quase sempre te derruba. Perdoa meu déficit de atenção e a forma randômica com que eu mudo de assunto e atropelo sua conversa sem perceber.

Perdoa a mania insistente de cantar quando estou feliz, geralmente de forma estridente e ao pé do seu ouvido. Perdoa a falta de jeito com os números e cálculos tão simples, e o trabalho que eu te dou na hora de somar e dividir as nossas contas. Perdoa a minha obsessão por Pokémon, a implicância com as series que você assiste e por achar impossível concluir aquele maldito jogo, 2048.


Perdoa a minha vontade de ser seu pai e brigar pelas coisas mais idiotas que existem, até mesmo as que você não consegue mudar. Perdoa os momentos que, por outro lado, eu pareço seu filho, e você precisa me lembrar de comer na hora certa, e de cortar os cabelos e as unhas, inclusive as dos pés. Perdoa as minhas mordidas e as cócegas que eu te faço, mas não me culpe pela sua sensibilidade.

Perdoa a minha pressa, que já escreveu nosso futuro sozinha e escolheu o nome dos nossos filhos sem te perguntar. Perdoa, por favor, a percepção tardia do amor que eu sinto, é que a distância confessou-me hoje o crime da saudade. Perdoa, por último, a minha literatura tão curta, tão comum, incapaz de expressar tudo que tenho pra te dizer pessoalmente quando eu chegar.

2 de abril de 2014

Separação

Definitivamente, eu não sei lidar com a alegria. Este sentimento de calmaria que invade o corpo quando tudo parece bem, quando os cômodos da nossa alma estão limpos e mobília no lugar, quando o coração está em ordem e uma placa na porta avisa "Não perturbe". Definitivamente, eu me esqueço com facilidade do que é bom. Basta uma surpresa, uma irritação. Basta um pouco de as-coisas-não-saíram-como-o-esperado e aqui estamos nós. Mordo os lábios, coço a nuca, arrasto móveis. Vejo poeira velha em tapetes novos, ignoro o aviso acima e ponho em bagunça o que levei semanas, quiçá meses, para ajeitar.

Não sei se é amargura, esse desgosto pelo contentamento. As desconfianças, os comprimidos, as noites sem dormir, os livros de Clarice, os capítulos de Dexter - o serial killer. A gente se constrói com os tijolos que encontra no caminho, e como é difícil derruba-los. Não sei se é tédio, essa vontade inconformada de não pertencer a lugar nenhum. As pessoas, o clima, as fotografias, as luzes de uma metrópole, a areia fininha no fim de tarde da praia mais próxima. São 25 anos de lembranças, como se eu fosse 25 álbuns ou cartões postais, como se eu tivesse 25 ou mais lados diferentes.

Não faço da razão minha bandeira, eu abracei outras causas. Mas entendam, mesmo e a cada vez mais resignado, ainda posso questionar. Mesmo e cada dia mais sem respostas, ainda me permito a poesia que inspira meus dedos. Afinal, toda esta escrita é torta, porque não procura fazer sentido, nem busca ser linear. Já foi registrada muito além dos olhos curiosos que passam por aqui, no segredo que separa escritor de personagem, no lugar que divide o homem do menino.