26 de janeiro de 2014

O Primeiro De Doze

Três meses, vinte dias e algumas horas. Existe um jeito de falar sobre amor sem parecer piegas? Dois corpos jogados na sala, um pedaço de pizza que ninguém comeu, meia dúzia de beijos embriagados. Existe alguma forma de contar a nossa história sem parecer um tolo? Veja você como é inútil o meu ritual: sentar na ponta da cama, pegar um bloquinho de rascunho e tentar escrever algo que caiba dentro de algumas linhas. Mas não funciona assim, não quando o assunto é você e eu. Talvez porque eu queira te dizer algo que você não sabe, um elogio que nenhum outro rapaz te fez. Talvez porque na minha busca pelo primor, eu tropece na nossa imperfeição. Talvez porque seja difícil, pelo menos pra mim, descrever a sensação de grandeza que eu sinto quando você atravessa a cidade apenas para respirar o mesmo ar que eu, para segurar a minha mão, para deitar a sua carne sobre o meu sorriso.


No momento em que estamos juntos, falamos sobre filmes preferidos enquanto vivemos o nosso, e se engana quem pensa que pertencemos ao gênero romance-água-com-açúcar. Jamais. Nossa categoria é o humor pastelão, explorador do riso fácil, de gosto duvidoso. Simpatizamos com sustos e caretas de monstros, temos uma queda por rir da desgraça um do outro, não nos cansamos de rolar no chão em brigas sem vencedores. No momento em que estamos juntos, pensamos nas malas feitas e roteiros sem destino programado enquanto viajamos nos olhares trocados. E se engana quem acredita que fantasiamos Paris, Veneza ou alguma pequena cidade alemã parecida com uma vila de contos de fada. Não, obrigado. Nós queremos a aventura de uma jornada perigosa, pés descalços e um mergulho profundo, montanhas mais altas e seu ar rarefeito. Arriscar já faz parte da nossa cartilha desde que você me chamou e eu te disse "sim", desde que nossas camas se tornaram uma só. É por isso que eu, sentado, tento mais uma vez: caneta e papel. Um ritual que eu espero repetir pelos próximos onze meses que 2014 ainda me reserva.

20 de janeiro de 2014

Elsa

"Esconda, não sinta, não deixe que eles saibam" - Ninguém imagina quantas vezes Elsa repetiu a frase pra si mesma, sem um ouvido para compreende-la, sem um ombro para apoia-la. Ninguém imagina quantas vezes ela foi obrigada a reprimir o que crescia tão naturalmente, porque foi ensinada a ser assim, porque disseram que a melhor decisão era fechar a porta e não permitir que as pessoas a vissem por dentro, que jamais conhecessem seu coração. 

Contaram uma mentira, como contam a todos nós, e ela acreditou: o certo é guardar em silêncio ao invés de tirar o peso do orgulho das costas, o certo é desconfiar de tudo, o certo e mais conveniente é viver com medo de mostrar quem realmente somos porque o julgamento do outro é uma dor que poderíamos não suportar.


Desde então, ela cresceu desta forma, isolada em um reino de gelo, condenada pela sua própria mente. E o pior, acostumou-se. A solidão não é tão ruim quando percebemos que estamos habituados a ela, quando aprendemos a alimentar e carrega-la como um bichinho de estimação. A pretensão de que é possível viver desacompanhado se torna tão grande quanto o vazio que mora no peito. Atrás da aparência distante, está o receio de tocar. Oculto entre algumas mágoas, está a necessidade de ser amado novamente. 

Infelizmente, a torre que a rainha construiu é alta demais para qualquer um alcançar. Infelizmente, os monstros que guardam sua porta e o frio que percorre todo castelo é mortal para aqueles que se arriscam a entrar.

1 de janeiro de 2014

Escudo

Viver conforme o que o coração sente parece uma boa ideia até você perceber que a caminhada não é uma ida ao parque, não é uma volta na praça. Viver conforme o que o coração sente é um autêntico passeio de montanha-russa, que sobe devagar e desce sem freio, sem permissão para pausas ou intervalos para recuperar o fôlego. Intensidade é eufemismo, tentar explicar é inútil e desabafar entre as linhas é um modesto escudo contra as emoções que de vez em quando ocupam nossa entrada.

Não sei quanto a vocês mas, para mim, insegurança é o tipo de sentimento que não se pode evitar. Mesmo que a gente feche a porta, ela provavelmente vai entrar pela janela, ou então achar qualquer fresta entre uma dobradiça ou outra para se acomodar sobre o nosso aposento. Não sei quanto ao resto do mundo mas, para mim, insegurança é o tipo de sentimento que acompanha o receio de um futuro que nunca se vê, nem se controla. Um futuro que é impossível segurar com as mãos, nem racionalizar para que faça sentido, para que seja conforme a gente sempre sonhou que fosse. Insegurança é o tipo de sentimento corriqueiro que inspira um texto que ninguém quer escrever, um frio constante na barriga, um tremor na ponta dos dedos, no peito que respira devagar e pede paciência no meio de um mar agitado chamado medo. Medo de uma criança que não cresceu, de um adulto de auto-imagem deformada, de qualquer ser humano que pulou algumas lições da cartilha chamada Vida e esqueceu do capítulo que diz: o amanhã jamais é governado. Insegurança é o tipo de sentimento que vem quando um pedido é recusado, e inevitavelmente surge a vontade de dar dez passos pra trás porque a impressão é que tudo que a gente construiu cuidadosamente pode desmoronar no instante seguinte.


E pra quem acredita que escrever ajuda ou traz alguma cura, engana-se. As palavras servem no máximo como anestésico, a morfina do escritor, a sua maneira de se mostrar ou, surpreendentemente, esconder-se. Na literatura, o coração é invisível, revela apenas o que quer, finge sentir e finge tão bem que a farsa se confunde com a sua própria realidade. Na literatura, a alma vive, voa livre e mergulha em águas escuras onde a pressão é alta e o desfalecer frequente.