2 de abril de 2014

Separação

Definitivamente, eu não sei lidar com a alegria. Este sentimento de calmaria que invade o corpo quando tudo parece bem, quando os cômodos da nossa alma estão limpos e mobília no lugar, quando o coração está em ordem e uma placa na porta avisa "Não perturbe". Definitivamente, eu me esqueço com facilidade do que é bom. Basta uma surpresa, uma irritação. Basta um pouco de as-coisas-não-saíram-como-o-esperado e aqui estamos nós. Mordo os lábios, coço a nuca, arrasto móveis. Vejo poeira velha em tapetes novos, ignoro o aviso acima e ponho em bagunça o que levei semanas, quiçá meses, para ajeitar.

Não sei se é amargura, esse desgosto pelo contentamento. As desconfianças, os comprimidos, as noites sem dormir, os livros de Clarice, os capítulos de Dexter - o serial killer. A gente se constrói com os tijolos que encontra no caminho, e como é difícil derruba-los. Não sei se é tédio, essa vontade inconformada de não pertencer a lugar nenhum. As pessoas, o clima, as fotografias, as luzes de uma metrópole, a areia fininha no fim de tarde da praia mais próxima. São 25 anos de lembranças, como se eu fosse 25 álbuns ou cartões postais, como se eu tivesse 25 ou mais lados diferentes.

Não faço da razão minha bandeira, eu abracei outras causas. Mas entendam, mesmo e a cada vez mais resignado, ainda posso questionar. Mesmo e cada dia mais sem respostas, ainda me permito a poesia que inspira meus dedos. Afinal, toda esta escrita é torta, porque não procura fazer sentido, nem busca ser linear. Já foi registrada muito além dos olhos curiosos que passam por aqui, no segredo que separa escritor de personagem, no lugar que divide o homem do menino.

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