6 de março de 2014

Barulho

Foi a primeira vez que ela não disse nada. Aprendeu desde cedo que confiança era um presente caro, e agora parecia cada vez mais difícil dá-lo. Foi a primeira vez que ela guardou as palavras para si. Contra tudo que acreditava, esconder o que sentia e fingir um sorriso era a melhor alternativa. Ele sorriu de volta, certo de que estavam bem. 

Foi a primeira vez que nenhum deles trocou boa noite. As vezes, o tempo passa e deixa os detalhes para trás, a falta de zelo evidencia a sujeira que impregna entre os dias. Foi a primeira vez que ela deixou um espaço na cama, mas o espaço não estava vazio, porque a frieza dormiu entre os corpos como um animalzinho de estimação. Ele se virou, e nem notou a mudança.

Naquela noite havia uma desconfiança nos olhos inquietos dela que ele não conseguia enxergar, um cansaço colado ao peito que insistia em questionar: ainda vale a pena? Depois de tantas vontades ditas e promessas não cumpridas, ninguém mais sabia a diferença entre gostar de alguém ou simplesmente acostumar-se à sua presença. 

Naquele quarto havia uma tranquilidade nos olhos sonolentos dele, uma certeza de que ela era sua e nada - nem mesmo seus deslizes mais nocivos, mudaria isso. Apesar de ignorar cada pedido e permanecer inerte mesmo quando se afastavam, ele estava convicto do seu papel de bom Romeu, e nenhum outro o cumpriria tão talentosamente.

Naquela noite, dentro daquele quarto, morreu silenciosamente o amor dos dois.


"Porque eu só beijo quem amo, só abraço quem gosto, só me dou por paixão. Eu só sei amar direito, nasci com esse defeito no coração." (Maria Bethânia)

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